Os primeiros meses do ano costumam registrar aumento nos casos de dengue, uma doença com padrão sazonal, influenciada pela temperatura e umidade. A vacinação é uma ferramenta essencial no combate à doença, embora não seja suficiente por si só, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.
Atualmente, o SUS (Sistema Único de Saúde) oferece a vacina Qdenga, desenvolvida pela farmacêutica Takeda, para crianças entre 10 e 14 anos. Essa faixa etária foi escolhida com base em recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), devido ao maior risco de hospitalização.
“É uma estratégia para evitar que elas adoeçam e impactem os serviços hospitalares de vacinação”, explica Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro das comissões da imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia.
O infectologista Evaldo Stanislau reforça a importância de considerar o histórico da doença no Brasil, que desde 1986 enfrenta surtos de dengue. “Praticamente todos os nascidos a partir dessa data já foram expostos ao vírus em regiões endêmicas. Na população adulta brasileira, a probabilidade de um adulto já estar protegido é muito grande”, afirma.
No entanto, Lígia Bahia, médica sanitarista e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) , alerta que as faixas etárias mais vulneráveis a quadros graves e de alta letalidade não são contempladas pela atual estratégia de vacinação do SUS. “Precisamos apoiar as vacinas, mas avaliar sua eficácia e ampliar o uso para toda a população exposta”, destaca.
Para 2025, o Ministério da Saúde adquiriu 9,5 milhões de doses. Desde que as vacinas começaram a ser aplicadas pelo sistema público, em fevereiro de 2024, já foram distribuídas 6.370.955 doses aos estados brasileiros, sendo que 3.710.222 foram aplicadas em 1.921 municípios.
A pasta afirma que não há previsão de ampliação da faixa etária do público-alvo, pois, além da capacidade de produção mundial da vacina ser limitada, é necessário garantir a segunda dose para todos que já receberam a primeira.
O imunizante também está disponível na rede particular, em farmácias e laboratórios, custando entre R$ 350 e R$ 490 por dose. O intervalo mínimo entre elas é de três meses.
Mas o número de doses disponibilizadas no setor privado é limitado devido à prioridade dada ao atendimento do SUS. A Takeda mantém um estoque de segurança para atender a demanda elegível à vacina pelo setor público, além de garantir a segunda dose para quem já iniciou a imunização na rede particular.
Embora a Qdenga seja oferecida no SUS apenas para crianças, sua bula, aprovada pela Anvisa, permite o uso em pessoas de 4 a 59 anos. Não há estudos envolvendo pessoas a partir de 60 anos, o que pode indicar menor eficácia devido ao envelhecimento do sistema imunológico. Além disso, há incertezas quanto à segurança para essa faixa etária, afirma Stucchi. Contudo, a infectologista afirma que um médico pode prescrever uma vacina para seu paciente acima de 60 anos, estando ciente de que é uma indicação fora da bula e que pode haver possíveis limitações.
A vacina, feita com vírus enfraquecido, é contraindicada para gestantes, lactantes, imunodeprimidos e pessoas com alergia grave a componentes da fórmula. Quem apresentar reação adversa à primeira dose não deve completar o esquema vacinal.
PROTEÇÃO E EFETIVIDADE
Stanislau e Stucchi são enfáticos em recomendar que a população tome a vacina, seja a disponível na rede pública ou na rede privada quem tiver condições financeiras.
De acordo com Stucchi, estudos mostram que a vacina oferece boa proteção contra os quatro sorotipos de dengue até 30 dias após a aplicação da primeira dose, sendo recomendada inclusive para viajantes expostos a áreas de surto e que não terão tempo de tomar a segunda dose. Quem tomar em janeiro, por exemplo, já poderá receber a segunda dose em março.
“A primeira dose ensina o sistema imunológico a se defender, enquanto a segunda garante proteção a longo prazo”, explica Stanislau.
A falta de adesão à segunda dose preocupa especialistas. Stucchi reforça que quem perdeu o prazo deve completar o esquema vacinal, independentemente do tempo decorrido.
“Estudos mostram que o esquema completo com duas doses oferece 61,2% de proteção contra dengue confirmada e 84,1% contra hospitalizações”, destaca Bahia. No entanto, a proteção varia entre os sorotipos, sendo mais eficaz contra os tipos 1 e 2 do que 3 e 4.
Evaldo enfatiza, porém, que a vacina não é a única medida contra a dengue. “A vacina não é uma bala de prata, é um recurso”, diz. Para ele, é importante estimular outras políticas públicas, olhar nas residências e combater foco do mosquito Aedes aegypti.
Em dezembro, o Instituto Butantan enviou à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) um pedido de registro para uso da vacina que está desenvolvendo contra a dengue. Se for aprovada, o Butantan poderá disponibilizar cerca de 100 milhões de doses ao Ministério da Saúde nos próximos três anos. Um milhão de doses da vacina poderiam ser entregues já neste ano.
CENÁRIO EPIDEMIOLÓGICO DA DENGUE NO BRASIL
Em nota técnica, o Ministério da Saúde alerta para um aumento de casos de dengue em 2025, especialmente devido à continuidade do fenômeno El Niño, que favorece a proliferação do Aedes aegypti. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Paraná devem registrar índices superiores aos de 2024.
No final do ano passado, houve aumento da circulação do sorotipo 3, principalmente no Amapá, São Paulo e Minas Gerais, um alerta já que a população possui baixa imunidade a esse tipo, não prevalente no Brasil desde 2008.
A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel Maciel, reforçou que a pasta tem monitorado o cenário e investido em ações de prevenção, controle de vetores e capacitação de profissionais. “Já estados e municípios, responsáveis pelas ações da rede assistencial, precisam se preparar para esse período de aumento de casos”, disse.
Fonte: TNH1