Casal é preso após trabalho espiritual que pode ter causado morte de jovem em Minas

Garota foi encontrada morta na casa em que ritual aconteceu em Nova Lima; exames periciais apontaram ingestão de bebidas alcoólicas e antidepressivo

Um trabalho espiritual realizado, supostamente, para a cura de uma adolescente de 12 anos pode ter ocasionado a morte dela em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Exames periciais apontam que a garota fez ingestão de bebidas alcoólicas e de remédio antidepressivo. Nesta quinta-feira (9), a Polícia Civil deu detalhes do caso e informou que o homem de 58 anos e a mulher de 57, responsáveis pelo ritual, acabaram presos.

A estudante foi encontrada morta em agosto do ano passado. Meses antes, ela perdeu a avó paterna, o que desencadeou uma série de problemas emocionais.

“Naquele dia 1º, a pré-adolescente tinha uma consulta oftalmológica marcada, mas no consultório ela passou mal, fez vômito e não consultou. Na investigação consta que ela estava apresentando alguns transtornos emocionais, abatimento, triste, perdeu peso. Ao que tudo indica era uma reação pela perda da avó. No mesmo dia, a menina foi com a mãe em uma Unidade Básica de Saúde, o médico fez análise, receitou remédio de baixo risco, como Dipirona, e deu encaminhamento para terapia”, explicou o delegado regional Thiago Rocha.

Mãe e filha voltaram para casa, também em Nova Lima, onde a vítima fez uma alimentação. Em seguida, a mãe e a irmã, de 19 anos, levaram a garota até o imóvel do casal investigado. Na região, os suspeitos eram conhecidos pela realização de trabalho de cura emocional e física. Era a primeira vez que a família frequentava o imóvel.

“A primeira situação que nos chama a atenção: a menina dá entrada nessa residência em estado físico não muito integral, não estando em um estado muito normal. Ela chega nos braços da mãe, e ela é uma pré-adolescente de 12 anos. Ela entra, a princípio, no quintal, onde este casal vai fazer a ‘cura espiritual’ dela, vamos dizer assim”, detalhou o policial.

Trabalho com milho de pipoca, canjica e chá de boldo

Conforme apontam as investigações, a jovem sentou em uma cadeira. O casal sobrepôs as mãos na garota, disse algumas palavras e passou a lançar contra ela milho de pipoca, canjica, mel e um chá de boldo.

“Em virtude desse chá de boldo, ela ficou com a roupa molhada e o casal forneceu outro tipo de vestuário. A pré-adolescente entrou em um sono profundo e, por volta de 23h, o pai dela chegou à casa, percebeu que ela estava sonolenta e optou por deixá-la na casa junto com a irmã. Já no final da madrugada do dia seguinte, a irmã percebeu que a garota estava com o corpo frio, não reagia ao toque”, explicou Rocha.

Segundo a polícia, a mulher, que é biomédica, percebeu que a irmã não respondia aos estímulos por volta das 5h. Ela comunicou ao dono da casa, mas o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) só foi acionado por volta das 6h. A equipe esteve no local e constatou o óbito.

“A equipe do Samu se deparou com várias garrafas de bebidas com cachaça espalhadas nesse quintal. Já na porta, esse indivíduo que participou do ritual estava sentado, fazendo uso de um cachimbo, e sem nenhum desespero, compaixão, preocupação ele falou com a equipe do Samu: ‘entra que tem uma criança passando mal’. E permaneceu lá na mesma posição”, disse o delegado.

No quarto, a menina foi encontrada deitada em uma cama que estava totalmente arrumada, sem nenhum indício de movimento brusco. Um lençol a cobria e, ao lado da fronha, um pouco de sangue. O corpo foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML), onde passou por exames periciais.

Exame de necropsia foi fundamental para investigação 

Os exames realizados apontaram como causa morte intoxicação exógena por um processo químico. A dosagem de etanol no sangue foi de 14,53 decigramas por litro de sangue.

“É uma dosagem altíssima, também foi detectado no sangue a presença do medicamento Fluoxetina e acetona. Mas a acetona pode ser produzida pelo próprio corpo quando o álcool é processado no organismo. O exame indica que nas vísceras havia mais álcool. Isso prova que não foi uma morte natural, foi um crime praticado por terceiros”, afirmou o policial.

Contradições

À frente das investigações, o delegado Rodrigo Rodrigues colheu os depoimentos e apontou contradições nos depoimentos do casal, da mãe e da irmã da vítima.

“A primeira contradição evidente é o fato de uma menina de 12 anos pernoitar em uma residência na ausência dos pais após passar por um procedimento espiritual. Um dia antes, ela havia passado mal. Nas oitivas, todos os envolvidos apresentaram contradições de tempo e espaço, quanto durou esse ritual, quais as práticas utilizadas e quem participou do ritual. Ora a mulher fala que o homem participou, ora o homem fala que foi a mulher, falam que a irmã participou, não deixam claro quais elementos foram usados no ritual”, explicou o delegado.

Os envolvidos negam que deram bebida para a adolescente. O casal, em um dos depoimentos, afirmou que costumava fazer os trabalhos espirituais incorporado. Em outras oitivas, o homem e a mulher optaram pelo silêncio.

“Agora nós precisamos coletar todos os documentos coletados na residência, vários materiais. E precisamos chegar ao esclarecimento da conduta específica de cada um dos envolvidos”, disse.

Durante a prisão do casal, nessa quarta-feira (9), a polícia apreendeu velas coloridas, colares, cachimbo, bebidas e ervas.

“Há relatos nos autos, provas de que, em tese, essa pré-adolescente estaria incorporando o espírito da avó falecida. E esse espírito que estaria trazendo para ela esse tipo de comportamento depressivo. Através desse ritual, o espírito da avó seria expulso dessa pré-adolescente”, destacou o delegado Thiago Rocha.

Crime

A prisão do casal é temporária e os investigados podem responder por homicídio com dolo eventual – quando não há intenção de matar, mas se assume o risco, uma vez que houve ingestão álcoolica por parte da adolescente.

A reportagem de O TEMPO procurou pelo pai da menor, mas ele não foi localizado para comentar o caso.

Fonte: O Tempo