Estudo mostra como algumas pessoas controlam o HIV sem remédios

Os chamados “controladores de elite” são raros, mas a descoberta pode revolucionar os tratamentos conhecidos, abrindo espaço para uma possível cura funcional da infecção

Dentre as 38 milhões de pessoas infectadas pelo HIV em todo o mundo, algumas parecem ter um “superpoder” biológico: sem utilizar antirretrovirais (ARV), o corpo dos chamados controladores de elite mantém o vírus causador da aids em níveis indetectáveis. Compreender essa questão sempre foi um desafio, mas uma pesquisa publicada nesta quarta-feira (26) na revista Nature traz novas informações sobre o assunto.

Um grande time de pesquisadores participou do estudo, liderado pelo imunologista Xu Yu, que trabalha no Instituto Ragon do Hospital Geral de Massachusetts, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Harvard, todos nos Estados Unidos. Os cientistas encontraram sequências raras de DNA do vírus HIV após analisarem bilhões de células de 64 controladores de elite e 41 indivíduos em uso de antirretrovirais.

Para a maioria das pessoas que vivem com HIV, isso significa que, se pararem de tomar os ARVs, os genomas virais intactos previamente integrados aos genomas das células voltam a se replicar. Com os controladores de elite, entretanto, isso não funciona assim.

O sistema imunológico dessas pessoas usa uma resposta imune mediada por células T para controlar o vírus sem medicação. Esse fenômeno funciona tão bem que, mesmo sem os antirretrovirais, a carga viral no corpo desses indivíduos é indetectável.

Parte do HIV se escondem nos cromossomos humanos (Foto:  Ragon Institute of MGH, MIT and Harvard)
Parte do HIV se escondem nos cromossomos humanos (Foto: Ragon Institute of MGH, MIT and Harvard)

No novo estudo, o grupo de Yu estudou o reservatório viral em controladores de elite, usando técnicas avançadas de sequenciamento genético para mapear com precisão onde o RNA viral fica “escondido” — e aí veio a descoberta. De acordo com a equipe, em quem tem esse “superpoder”, o genoma do microrganismo fica alojado nos chamados “desertos de genes”.

O nosso DNA é composto por milhares de genes, mas boa parte dele está desativada e, até onde se sabe, não serve para muita coisa. Enquanto na maioria das pessoas os fragmentos de HIV se “escondem” nos genes ativos, nos controladores de elite o microrganismo fica alojado nessa parte inativa. Resultado? O vírus fica bloqueado, ou seja, não consegue se replicar.

Nos controladores de elite, os reservatórios virais (vermelho) ficam em desertos de genes (brancos), enquanto nos outros firam em genes ativos (cinza) (Foto:  Ragon Institute of MGH, MIT and Harvard)
Nos controladores de elite, os reservatórios virais (vermelho) ficam em desertos de genes (brancos), enquanto nos outros firam em genes ativos (cinza) (Foto: Ragon Institute of MGH, MIT and Harvard)

“Esse posicionamento de genomas virais em controladores de elite é altamente atípico, pois na grande maioria das pessoas que vivem com HIV-1, o HIV está localizado nos genes humanos ativos, onde os vírus podem ser facilmente produzidos”, disse Yu, em comunicado.

Quando os autores coletaram células de controladores de elite e as infectaram com HIV em laboratório, eles encontraram o vírus integrado a sítios ativos nos genomas celulares, não nos desertos de genes. Logo, isso sugere que o “superpoder” é resultado da resposta de células T supressoras, que eliminam o RNA viral das regiões ativas.

Um caso especial

Entre os voluntários do estudo, um caso chama atenção: o de Loreen Willenberg, diagnosticada com HIV positivo em 1992. Segundo a revista Science, ela nunca fez uso de antirretrovirais e se manteve saudável até hoje. Na pesquisa, foi a que apresentou os níveis mais baixos de genes intactos do HIV e, mesmo assim, eles demonstraram ser incapazes de gerar a replicação viral.

Willenberg tem seus níveis sanguíneos de HIV monitorados há 24 anos e apenas uma vez apresentou replicação viral detectável, quando teve uma gripe. “Se houvesse uma forma de esse estado único de controle natural da infecção ser compreendido e então traduzido para indivíduos que não controlam espontaneamente o HIV, é o que eu faria”, disse a mulher à Science.

Novos caminhos

Como explicou Yu, se os pesquisadores forem capazes de identificar quais reservatórios virais podem realizar cópias do vírus uma vez que o uso de ARVs é interrompido, isso pode ajudar na criação de tratamentos mais eficazes. Será possível ativar o tipo de imunidade de células T que está presente em controladores de elite, alcançando uma cura funcional para a infecção.

“O que acontece com esses indivíduos pode lançar luz sobre a cura do HIV-1”, explicou Keith Hoots, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde (EUA). “E também nos ajudar a entender como uma pessoa com HIV pode controlar o vírus e evitar comorbidades associadas a ele.”

Fonte: Saudelab