Lei Maria da Penha: Alagoas registra cerca de cinco mil casos por ano

Por Lucas Alcântara – Colaborador

Os dados referentes às violência contra a mulher em Alagoas são alarmantes. Mais de cinco mil denúncias de novos casos nos últimos seis anos, cerca de 800 homicídios contabilizados entre 2008 e 2014 e uma média de sete mil processos para serem julgados pelo Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.   Com a Lei Maria da Penha (11.340), que nesta quinta-feira (07) completa oito anos desde que foi sancionada, as denúncias aumentaram, mas o caminho à redução das ocorrências ainda é longo. Até lá, histórias como a de Maria Barbosa da Silva, 31, ainda tendem a colocar Alagoas em destaque Brasil afora quando o assunto for crimes hediondos contra a mulher.

Mais conhecida como Nelma, Maria Barbosa hoje se descreve como “uma sobrevivente abençoada por Deus”. Ela foi vítima de uma tentativa de homicídio, no ano passado, cuja autoria intelectual do crime teve como mentor o próprio ex-marido e executado por dois homens. Casada desde os 17 anos com Adriano Henrique Cícero Silva, 46, e mãe de duas crianças, Nelma entrou para as estatísticas de mulheres violentadas ainda no início da vida matrimonial, mas teve sua vida virada ao avesso quando resolveu pôr fim ao conturbado casamento. O casal vivia no município de Taquarana, mas o crime foi registrado em Arapiraca, no tarde do dia 04 de fevereiro de 2013.

Segundo lembrou a vítima em entrevista concedida por telefone à reportagem do CadaMinuto, foram 13 anos de ciúmes seguidos de ameaças e agressões que, por pouco, não lhe custaram a vida. “Ele sempre foi muito ciumento. No início não falava nada, mas logo depois começaram as ameaças e as agressões verbais. Quando completamos quatro anos de casados, no dia de uma festa na cidade, ele me ameaçou e colocou a arma na minha cabeça, na frente dos próprios filhos. Cheguei a procurar a polícia e registrei três boletins de ocorrência, mas ele nunca foi chamado nem para depor. Suportei muita coisa para não decepcionar a minha mãe. Quando ela faleceu, eu resolvi me separar e foi aí que ele tentou o homicídio após ter me jurado morte várias vezes”, contou.

Era fevereiro de 2013, período de início das aulas dos filhos, e Nelma cobrava de Adriano a compra do material escolar. Conforme combinado, ela escolheria em Arapiraca os produtos com os filhos e o ex-marido iria ao local para fazer o pagamento. Quando chegou, por volta das 11h daquele dia 04, Adriano pegou a nota com o orçamento, pagou e levou o material até o carro da ex-mulher. Ainda na papelaria, o acusado recebeu ligações e se afastou para falar ao telefone. “Quando chegamos no carro, ele disse que levaria as crianças para almoçar. Eu disse que já estava tudo pronto em casa e que eles iriam comigo, mas ele insistiu e acabei deixando levá-los, sem desconfiar de nada”, disse.

Na volta para Taquarana, Nelma parou para abastecer no posto de combustível do qual sempre foi cliente e enquanto o frentista fazia seu trabalho um homem que estava próximo falou algo.

“Eu o vi falando, mas não entendi o que era. Perguntei ao funcionário do posto e ele falou que o rapaz alertou que os pneus do meu carro estavam carecas. Ignorei, pois havia feito a troca menos de seis meses. Depois, juntando uma coisa à outra, entendi que o homem queria confirmar se era eu mesma que estava no carro, já que, igual ao meu, só havia outro na cidade, o de meu primo. Sai do posto e há poucos metros vi uma moto se aproximando com dois homens sem capacete. Logo depois escutei os tiros e quando abaixei a cabeça vi as minhas pernas completamente ensanguentadas. O carro estancou e eu desci para tentar socorro”, lembrou a vítima.

Completamente lúcida, Nelma foi socorrida e encaminhada a um hospital em Arapiraca. Os tiros deflagrados contra ela atingiram o tórax, de um lado ao outro, o braço e a região da garganta, destruindo 30% do esôfago. No início, a polícia chegou a investigar a possibilidade de uma tentativa de assalto, cuja linha foi descartada quando a vítima acordou após dois de coma induzido. “Quando abri os olhos, vi minha irmã e queria falar, mas como não consegui, me deram um papel e escrevi: ‘tentaram me matar’. Eu tinha certeza que não era assalto, pois já chegaram atirando e não me pediram nada. E sabia que tinha sido a mando dele porque era a única pessoa que me ameaça com frequência. Não tinha inimizades nem motivos para que outra pessoa fizesse isso”, disse Nelma.

As investigações foram iniciadas pela delegada Ana Luiza Nogueira, à época titular da Divisão Especial de Investigação e Captura (Deic), e quase um mês depois o caso já estava esclarecido. Coincidências à parte, a prisão dos acusados se deu no Dia Internacional da Mulher, 08 de março, quando foram apresentados: Adriano Henrique, o autor intelectual; Remefen Garlen, 24, autor dos disparos; e Anderson Alcântara Freire, condutor da motocicleta utilizada no dia do crime. Hoje, quase dois anos depois da tentativa de homicídio, os três permanecem em liberdade e o caso ainda está parado, segundo Nelma, no Ministério Público em Arapiraca.

“Há um tempo atrás, estive na cidade e quando o motorista do carro que eu estava parou em um posto de combustível, me deparei com o autor dos disparos a poucos metros de mim, falando ao telefone naturalmente. Ou seja, é como se não tivesse acontecido nada. Eles passaram 30 dias presos, foram soltos e eu quem perdi minha liberdade, tive que sair de Alagoas, vivo escondida e ainda sofro com as sequelas, psicológicas e físicas, de um crime que permanece impune. O meu caso é mais um entre os que não têm andamento por conta da influência política. O pai de Adriano já foi prefeito de Taquarana por várias vezes e a família dele é muito influente. É difícil até de achar testemunhas. Ninguém quer falar. Hoje eu tenho medo não só por ele, mas pelos outros dois que reconheci”, contou.

Desde que foi vítima do atentado, Nelma já se submeteu a seis cirurgias, tem outras duas agendadas, deixou o Estado e está em tratamento, em São Paulo, custeado pelo Estado. A vítima passou por um procedimento raro, no qual teve seu esôfago reconstruído com partes do braço em uma cirurgia que durou mais de nove horas. Nelma também recebeu assistência média em UTI e Semiextensivo por mais de um mês e tem sequelas graves do crime. “Passei um ano e três meses sem conseguir minha própria saliva. Há pouco tempo comecei a me alimentar pela boca, com alimentos sólidos, mas só tomo água por meio de uma sonda. Coisas que antes eram normais em mim, como falar, hoje eu faço e sinto dores”, completou a vítima.

Quando o assunto é violência, Alagoas figura nas primeiras colocações de um amargo ranking. Segundo o Mapa Nacional da Violência 2013/2014, a capital alagoana é a quinta mais perigosa do mundo, o Estado é o primeiro colocado em quantidade de homicídio e ocupa a segundo lugar no índice de homicídios de mulheres, com 8,3 mortes para cada 100 mil alagoanas. Segundo dados da Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos (SEMCDH), de 2008 até junho de 2014, foram contabilizados 791 homicídios, sendo 71 somente neste ano, d mais de cinco mil denúncias de novos casos por ano.

De acordo com a superintendente de Políticas Públicas para a Mulher da SEMCDH, Solange Viegas, os dados anteriores, desde quando a lei entrou em vigor, não era computados. Na avaliação da gestora, a Lei Maria da Penha trouxe muitos avanços, mas ainda há dificuldades no enfrentamento ao crime e na assistência à mulher em situação vulnerável. “Encontramos resistência dentro das próprias delegacias, principalmente no interior, mas a coisa já mudou muito”, disse Viegas em entrevista ao CadaMinuto.

Sobre as denúncias, a superintendente afirmou que Alagoas ocupa o 8º lugar no ranking dos Estados que mais registram o caso pelo Disque 180, específico deste crime. Em relação ao quantitativo de processos pelo Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, cujo titular é o magistrado Paulo Zacarias, a gestora afirmou que o montante chega a, em média, sete mil casos. A reportagem tentou falar com o juiz, mas não obteve êxito, visto que o mesmo está se recuperando de um problema de saúde.

Solange Viegas destacou que Alagoas já avançou bastante em relação às políticas públicas que visam coibir o crime e dar assistência à mulher. “Estamos equipando todo o Estado para, junto ao Judiciário, proporcionar melhor aplicabilidade da Lei Maria da Penha. Nas regiões do interior, por exemplo, antes não era possível fazer denúncia. Mulheres que moram em povoados tinham dificuldade e não eram informadas. Hoje já fazemos esse trabalho por meio de mutirões”, destacou.

Entre as estratégias implantadas, superintendente destaca o Centro Especializado de Apoio à Mulher, inaugurado em 2013, onde a vítima recebe assistência multidisciplinar após o registro do Boletim de Ocorrência; o implantação do Núcleo de Atendimento à Mulher na Delegacia de Delmiro Golveia e previsão de mais duas inaugurações; as duas casas de abrigo, em Maceió e Arapiraca, que acolhem a mulher que está com eminência de morte até que o agressor seja preso; três centros especializados em São Miguel dos Campos, Delmiro Golveia e União dos Palmares; a informatização da Rede de Atendimento à Mulher; aquisição de duas unidades móveis para assistência à mulher rural; além da capacitação de profissionais para atuação no combate ao crime.

“Não podemos dizer que houve redução de mortes, mas temos certeza que as denúncias aumentaram e as ocorrências começaram a diminuir. É um trabalho lento, mas estamos equipando todas as regiões, com estrutura e equipes multidisciplinar, para reduzir os casos e permitir que a lei seja aplicada com mais vigor e auxiliar o Judiciário na realização do seu trabalho”, disse Solange Viegas.

Militante na defesa da mulher, a vereadora Tereza Nelma (PSB) avaliou que, apesar de todos os aparatos apresentados pelo Estado por meio das políticas públicas implantadas em parceria com o Governo Federal, Alagoas ainda é carente de efetividade de ações para coibir este tipo de violência. Segundo ela, “a estrutura existe, o que falta é efetividade de estratégias”.

“O caso de Maria Barbosa, a Nelma, é um dos exemplos de que falta celeridade em todo o processo. A vítima denunciou três vezes o agressor e nada foi feito. Foi preciso acontecer o que aconteceu, mas, ainda assim, nada andou. Fui informada também que o processo dela está para no Ministério Público, em Arapiraca. Estão esperando o quê? Ela morrer?”, indagou a vereadora.

Por: Lucas Alcântara
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