’Tive crise de consciência’, diz ex-namorada de Dr. Jairinho após registrar agressão de vereador a filha

Ao tomar conhecimento da abertura do inquérito instaurado na 16ª DP (Barra da Tijuca) para apurar a morte de Henry Borel Medeiros, de 4 anos, uma cabeleireira de 31 anos, diz ter tido uma crise de consciência. Ex-namorada do médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho (Solidariedade), padrasto do menino, a moça foi até a delegacia relatar que ela e a filha foram agredidas pelo parlamentar há quase uma década. Ele, no entanto, afirma que a jovem mente e o calunia por ter sido abandonada no altar, situação “extremamente humilhante”, e que lhe causou “ódio e promessa de vingança”.

 

“Quando estourou a crise do Henry, tive a minha primeira crise de consciência, me senti deprimida. E comecei a pensar: “Será que se eu tivesse feito alguma coisa, isso teria sido evitado?”, emocionou-se a cabeleireira, em entrevista ao GLOBO.

Em detalhes, a mulher explica como se aproximou de Jairinho, como era o relacionamento de dois anos que teve com o parlamentar e como e por quê se deu o término do namoro. Ela também reafirma as acusações de agressões sofridas por ela e a menina e diz esperar contribuir com as investigações pelo Henry e pela filha.

O menino Henry Borel de Medereiros tinha 4 anos Foto: Reprodução
O menino Henry Borel de Medereiros tinha 4 anos Foto: Reprodução

No depoimento que prestou na 16ª DP, a moça disse que a criança, de 3 anos à época, ficava nervosa, chorava e até vomitava ao ver Jairinho e que ela contou ter tido a cabeça afundada por ele embaixo da água de uma piscina. A testemunha disse também que, em uma ocasião, estavam em Mangaratiba quando o vereador lhe ofereceu remédios para dormir, tendo ela colocado o comprimido embaixo do travesseiro. Ao chegar na sala do apartamento, disse tê-lo encontrado o parlamentar segurando pelos braços a menina, que estava assustada.

“Só quem convive, sabe do poder de persuasão que ele tem. Ele me fazia de gato e sapato, me cegava”

EX-NAMORADA DE DR. JAIRINHO
Caso Henry

Em uma petição assinada por André França Barreto, que representa Dr. Jairinho e sua atual namorada, a professora Monique Medeiros da Costa e Silva, o advogado aponta que pelo parlamentar estar “em evidência”, o “momento se mostrou oportuno” para a moça “desferir mentiras”, negando as acusações.

Peritos com o boneco que será usado na reprodução simulada no condomínio Majestic, na Barra, onde o menino Henry morava Foto: Domingos Peixoto / O Globo
Peritos com o boneco que será usado na reprodução simulada no condomínio Majestic, na Barra, onde o menino Henry morava Foto: Domingos Peixoto / O Globo

Como era o Jairinho?

Sinceramente, depois que fiquei sabendo de tudo e vi como ele agiu quando nos separamos, a imagem dele é completamente diferente. Ele era meu príncipe encantado, um cara de fala mansa, inteligente, que conversa sobre tudo, que puxa a cadeira para você sentar, que abre a porta do carro. Nunca, nos meus piores pesadelos, pude imaginar a pessoa que ele mostrou seu depois. Só quem convive, sabe do poder de persuasão que ele tem. Ele me fazia de gato e sapato, me cegava.

Como era seu relacionamento com ele?

Nos conhecemos quando eu trabalhei na campanha para eleição do pai dele (o policial militar e deputado federal Jairo Souza Santos, o Coronel Jairo (MDB)). Depois disso, começamos a ficar e depois a namorar. Nós tinhamos uma relação normal, ele ficava na minha casa, eu ficava no flat que ele alugou, nós viajávamos, conhecíamos nossa família, nossos amigos.

Você sabia que ele era casado na época?

Eu sabia que ele tinha contato com a ex, até porque eles tinham filho junto. Mas eu nunca desconfiei. Meu pontapé de desconfiança foi o dia que ela foi na minha casa, bateu na minha porta e disse ser esposa dele. Mesmo assim, ele disse ser tudo mentira. Dali em diante, ela começou a querer provar ser mulher dele e ele a provar que ela era maluca. Até que ela engravidou do segundo filho

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Monique e Doutor Jairinho: casal foi ouvido na delegacia da Barra Foto: Reprodução / TV Globo
Monique e Doutor Jairinho: casal foi ouvido na delegacia da Barra Foto: Reprodução / TV Globo

Vocês chegaram a marcar noivado?

A gente tinha organizado uma festa em um restaurante para trocar aliança de noivado, com 30, 40 pessoas da minha família, mas ele disse que a mãe dele passou mal e não podíamos noivar sem ela. Mesmo assim, eu continuei (com ele) porque pensei ser verdade.

Por que vocês terminaram?

Eu vi que realmente vivia com ele uma ilusão, uma mentira. Não era o que eu queria virar amante de alguém naquele momento. Inclusive eu me culpo muito por ter me ocupado tanto tentando descobrir se ele era aquela pessoa que ele mostrava para mim que não consegui enxergar o que ele fazia com a minha filha e minha maior culpa na vida é essa.

Como foi esse término?

Quando eu não quis mais e fui viver uma vida normal. Eu tinha 21, 22 anos e comecei a sair, então ele passou a me perseguir. Eu chegava na porta da minha casa e ele estava na esquina, parado com o carro.  Uma vez um amigo foi me deixar no portão, ele estava atrás de uma árvore do outro lado da rua, me agarrou e rasgou minha roupa. Teve ocasião de eu ter que me esconder em casa de amiga porque ele passou a madrugada inteira batendo na porta me chamando. Já teve dias de eu estar em um carro com as minhas amigas e precisarmos correr porque ele vinha correndo atrás.

Ele te acusa de perseguição a ele a sua ex-mulher, a dentista Ana Carolina Ferreira Netto. Isso aconteceu?

Eu nem sabia que eles eram casados. Lembro de ter falado com ela duas vezes: quando ela foi na porta da minha casa e quando ela me mandou mensagem me chamando para ir em um shopping na Barra da Tijuca. Eu fui e chegando lá, ele ficou surpreso de me ver, eles começaram a discutir e eu fui embora.

Como e quando a sua filha resolveu falar sobre as agressões?

Mais ou menos um ano e meio após terminarmos, ela estava assistindo a um programa de televisão com a minha mãe de madrugada, sobre abuso infantil, e teve uma crise de choro desesperada. A avó perguntou e ela disse que ele fazia essas coisas, que batia nela e começou a narrar os episódios todos. No dia seguinte, confirmou para mim tudo de novo.

Por que você não procurou a polícia antes?

Ele é um homem poderoso, com dinheiro, o pai dele é influente na polícia e eu não sou ninguém, eu não tinha nada. O nada que eu tinha quando conheci ele, continuei sem nada quando terminei. Aí um ano e pouco depois da nossa separação, minha filha decidiu contar o que aconteceu. Eu e minha mãe entramos em desespero, ficamos tremendo. Mas ela não tinha marca nem nada. Então seria a palavra da gente contra a dele. Muita gente que eu procurei dizia que não tinha muito o que fazer.

Vereador Dr. Jairinho Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
Vereador Dr. Jairinho Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

E por que decidiu fazer o registro agora?

Quando estourou a crise do Henry, tive a minha primeira crise de consciência, me senti deprimida. E comecei a pensar: “Será que se eu tivesse feito alguma coisa, isso teria sido evitado?” Porque até então eu pensava que ele tinha um problema comigo, que ele fez coisas contra a minha filha por ter ciúmes de mim. Ao ver tudo na televisão, parece que revivi tudo que já passei.

Como foi levar sua filha para depor sobre isso?

Conversei com ela e ela lembrava de tudo, então permiti a permissão dela para falar com o pai do Henry e para irmos à delegacia. Eu já me sinto culpada demais por fazer ela passar por isso, mesmo que indiretamente, porque eu que arrumei o namorado, então quis pedir autorização para ela em tudo que eu estava fazendo, até sentada na cadeira da delegacia eu perguntei de novo. Mas ela quis fazer, tirou uma força eu não sei nem de onde. E não quis que eu entrasse com ela, eu não acompanhei o depoimento e tento não ficar falando disso.

Há quanto tempo você e Jairinho não tinham contato?

Há um ano e pouco atrás, ele falou comigo por Instagram porque o filho de uma amiga minha faleceu e ele me mandou mensagem oferecendo ajuda e pedindo o telefone dela. Ele puxou conversa e eu respondi para ele não falar do meu nome porque não esqueci tudo que ele fez a mim e a minha filha. Minha irmã parece que chegou a trabalhar em um projeto dele mais recente, mas o que eu soube é que ele ligou para ela, antes de eu prestar depoimento, e perguntou de mim e da minha filha. Nesse dia, eu fiquei apavorada, porque para mim ele quis deixar claro que lembrava da gente.

Como vocês estão agora?

Eu trouxe minha filha para fora do Rio justamente para não ficarmos falando no assunto nem vendo isso na televisão o tempo inteira. Mas não adianta: dentro da nossa casa está todo mundo com medo.

O que você sente agora, diante das investigações (um inquérito na Delegacia da Criança e Adolescente Vítima apuram as queixas relatadas pela filha dela)?

Eu senti um livramento, por, graças a Deus minha filha não ter tido um desfecho mais trágico. Então eu quis falar a verdade, para não só ajudar o pai do Henry, mas pela minha filha também, pela vontade que ela tem de se libertar de falar, porque esses anos todos nós não fizemos nada por medo.

Fonte: O Globo