Arapiraca tinha 56 anos de fundada e estava a 20 de sua emancipação, quando Francisco de Paulo Magalhães decidiu iniciar a plantação de fumo no que, até então, ainda era uma vila. Ele o fez pela primeira vez em um curral onde cuidava de gado, no que atualmente é o bairro de Cacimbas, no ano de 1904. Assim nasceu a expressão ‘curral de fumo’, cunhada 32 anos depois. Magalhães tinha uma banca de venda de fumo cortado e teve a ideia de iniciar a produção.
Plantava-se pouco: uma tarefa ou duas, no máximo. Na década de 1920, a cultura passou a se espalhar. A família de Francisco, seguida por seus descendentes, era especialista. O carro-chefe da cidade, até 1940, era a produção agrícola, que tivera início com a fundação da cidade, em 1848, com Manoel André Correia dos Santos como protagonista. Ele foi o primeiro a se instalar na região junto à sua família. Manoel deu início ao cultivo de mandioca e algodão. O período áureo da cultura fumageira se deu nas décadas de 1940 a 1970, ao ponto de cerca de 14 indústrias de fora do Estado marcarem presença na cidade. O fumo empregava majoritariamente mulheres. “Sem dúvida alguma, temos que agradecer a Francisco Magalhães por ter introduzido o fumo. Não sei por que as pessoas não lembram dele. Muito da pujança de Arapiraca se deve à sua iniciativa inovadora”, diz José Sandro da Silva, pesquisador da história de Arapiraca e que está escrevendo um livro sobre os 100 anos da emancipação política do município.
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Genival José da Silva, 43, acompanhou seu pai desde os sete anos na produção de fumo. Ele segue o processo da família, que acontece na Vila Capim. A colheita deste ano foi pequena, mas já está na fase de cura. “Continuamos insistindo nessa cultura. Na roça, nossa cidade veste a camisa do fumo. Como essa nossa área é pequena, tem que ser fumo mesmo. Os preços ainda estão bons: em média, R$ 30 pela primeira qualidade, enquanto o de segunda está a R$ 20. Tudo o que fazemos é por nossa conta. A única garantia que temos é a replantagem”, afirmou.
O fundador Manoel André também foi decisivo na consolidação de Arapiraca como uma rota comercial importante. Ao lado de sua casa, havia a ligação da região da Mata, passando pelo Agreste, até chegar ao Baixo São Francisco, em Traipu e Penedo. Esse trecho foi se solidificando e entremeando novas. As pessoas vinham de Anadia para comprar seus produtos, utilizando Traipu como um desses pontos comerciais, assim como Penedo. A primeira Casa de Comércio de Arapiraca foi construída em 1880, de propriedade de Florencio Apolinário da Silva, filho de Manoel André, e de Esperidião Rodrigues da Silva, sobrinho de Manoel.
Quatro anos depois, surgiu a feira livre, ainda com poucas bancas, também idealizada por Esperidião Rodrigues. A cidade, naquela época, pertencia a Limoeiro de Anadia, que tinha rotas ruins para o comércio. Dali, viria o fortalecimento da cultura comercial. Os feirantes, no início, vinham para passar uma semana e, às vezes, sequer tinham dinheiro para voltar para suas cidades. Ao longo do tempo, quem tinha bancas passou a alugar seus pontos para outros, que criaram bodegas e outros pontos comerciais.
Recursos agrícolas migram para serviços e comércio
Lúcia Denise Soares, 34, é ambulante e feirante em Arapiraca há mais de 20 anos, uma profissão que herdou de sua mãe, Creuza. Ela revela que mais pessoas estão visitando as feiras a cada ano. A família vende frutas, feijão verde, quiabo e maxixe. “Não é fácil ficar o dia todo no sol, enfrentar chuva. Mas nós somos felizes. Tenho muito orgulho de ser feirante. Compramos a mercadoria para vender no centro da cidade e também na feira do Baixão”, conta.
A emancipação de Arapiraca, em 1924, já borbulhava anos antes. Os moradores não aceitavam fazer parte de Limoeiro, especialmente por conta da logística ruim, já que não havia estradas ou pontes, e até elegeram Manoel Pereira Magalhães como intendente de Limoeiro e Esperidião Rodrigues como conselheiro. O ganho de espaço fez com que a então Vila de Arapiraca superasse economicamente a sede.
Esperidião Rodrigues foi o primeiro prefeito, tendo como vice José Magalhães. No ano seguinte, houve a instalação da luz elétrica por parte do empresário Antônio Apolinário Correia. A primeira escola foi inaugurada em 1939, com o curso primário sendo instituído oficialmente em 1940. O Cine Leão, construído por Manoel Leão naquele ano, foi o primeiro cinema do município.
Em 1947, instalou-se na cidade a empresa Camilo Collier para a construção da estrada de ferro, que seria finalizada em 1951, favorecendo a integração regional, ligando Arapiraca a Pernambuco e Sergipe. Os primeiros bancos chegaram na década de 1950: o primeiro foi o Banco da Lavoura de Minas Gerais (que em 1971 se tornou o Banco Real); a Caixa Econômica Federal, em 1956; e o Banco do Nordeste, em 1958.
Tudo isso fez com que, de 1960 a 1970, Arapiraca fosse considerada a ‘Capital Brasileira do Fumo’ e, concomitantemente, tivesse a terceira maior feira livre do Nordeste, com uma concentração semanal de cerca de 30 mil pessoas.
Em 1969, o Grupo Coringa, o maior de Arapiraca, ganhou vida com José Alexandre dos Santos, que comprou a marca e equipamentos de um dono anterior. No livro “Zé Alexandre: Memórias de um Arapiraquense”, é contado que o empreendedor trabalhava das 4h até 22h e, no verão, investia seu dinheiro para comprar folhas de fumo, e comprou até uma camionete para transportar passageiros, na qual seu futuro sócio, José Levino, era o cobrador.
A jogada do grupo foi diversificar sua produção. Com a queda da indústria fumageira, o Coringa se tornou conhecido por produtos derivados do milho e do coco. Segundo o censo de 2022, Arapiraca tem 234.696 habitantes. O salário médio mensal dos trabalhadores formais é de 1,6 salários mínimos. De 2006 a 2022, a cidade apresentou um número crescente de empresas criadas: de 3.057 empresas para 7.659; as pessoas ocupadas passaram de 21.770 para 54.187 no mesmo período.
A produção de fumo, por outro lado, diminuiu. Produzia-se 6.000 toneladas de fumo em 2004 e 3.410 em 2023, com a área plantada caindo de 5.000 hectares para 2.500. O professor de Administração Pública da UFAL em Arapiraca, Bruno Setton, construiu uma pesquisa sobre o comércio local e afirma que a queda do fumo está ligada justamente ao aumento de empresas e de pessoal ocupado, salientando a diversificação da produção no município.
“Não, por coincidência, no mesmo período de análise, você percebe o declínio de uma atividade econômica e o concomitante crescimento de outra atividade. Não pode ser tanta coincidência assim. Então, o dinheiro daquelas pessoas, que eram os grandes produtores de fumo, acaba migrando para o setor de serviços e comércio. As pessoas que, porventura, estavam ocupadas nesse setor também tendem a migrar para o setor de comércio”, analisa.