Ruídos geram discórdia entre vizinhos em condomínios que não possuem isolamento acústico adequado
O marido de Giulianny Russo, professora da cidade de São Paulo, dançava para tentar acalmar o bebê e o filho de cinco anos do casal quando o vizinho do andar de baixo tocou o interfone para reclamar do barulho. Semanas mais tarde, depois de se tornar alvo de uma nova reclamação, a família, que vive em um edifício do bairro Butantã, recebeu um comunicado do condomínio solicitando que evitasse ruídos, pois havia pessoas praticando home office no prédio.
Episódios como esse são comuns em edifícios residenciais, mas têm se tornado mais recorrentes no período de isolamento social causado pela pandemia da covid-19. O trabalho em home office se tornou comum, assim como as aulas a distância, o que faz com que as crianças também fiquem confinadas em casa. Durante o isolamento, se tornou mais difícil deixar as crianças entretidas, o que faz com que elas optem mais frequentemente por atividades barulhentas e, assim, se tornem uma fonte de incômodo para os vizinhos que trabalham no novo modelo.
Outras atividades que se tornaram mais comuns dentro dos apartamentos durante a pandemia e que também já foram motivo de atrito entre vizinhos, são os exercícios físicos, as brincadeiras com animais de estimação e até as apresentações musicais nas varandas. Inclusive os panelaços contra o presidente Jair Bolsonaro já se tornaram fonte de discórdia entre condôminos.
Perturbar o sossego alheio com barulhos é uma contravenção penal, de acordo com a legislação brasileira, assim como exercer uma profissão ruidosa em desrespeito às normas, abusar de instrumentos sonoros ou sinais acústicos e provocar ou deixar de impedir que animais dos quais se tem a guarda produzam sons. O descumprimento dessas regras de convívio, previstas em lei, é uma infração que pode receber pena de quinze dias a três meses de prisão e multa.
Uma resolução de 1990 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) estabelece que “a emissão de ruídos em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde e do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos”.
Entre os tais critérios e diretrizes podem ser citadas as regulamentações da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) na NBR 10.151 e na NBR 10.152. A primeira determina como aceitável, para áreas majoritariamente residenciais, ruídos de até 55 decibéis durante o dia e de até 50 decibéis durante a noite. O choro de um bebê é o suficiente para ultrapassar esses limites com folga. A NBR 10.152, mais específica, estabelece padrões para ambientes como apartamentos, bibliotecas e cinemas e prevê limites ainda mais restritos: de 35 a 45 decibéis. O choro de bebê pode chegar a 110 decibéis. Já um liquidificador pode alcançar níveis parecidos com esse.
Muitos desentendimentos poderiam ser evitados se os prédios residenciais fossem construídos com as devidas soluções de revestimento acústico para proteger os moradores da passagem de ruídos de um cômodo para outro. Isso é comum em prédios mais antigos, pois desde 2013, passou a ser obrigatória a existência de isolamento acústico nas novas construções.
Basicamente, implementar o isolamento acústico consiste em utilizar materiais capazes de barrar a passagem de ruídos. Além de reduzir o estresse, o isolamento acústico pode evitar atritos entre vizinhos e garantir uma maior privacidade.
A disseminação da poluição sonora nas construções tem como grande aliada a racionalização dos custos com o uso de materiais leves e baratos, popularizada na década de 1980. As divisórias de gesso acartonado, particularmente, são um recurso que se tornou popular nos anos mais recentes porque são muito simples de serem usadas.
Outro recurso barato que pode complicar a situação sonora dos imóveis são as lajes finas de concreto armado, que são resistentes mas transmitem muito ruído de um andar para outro.
Cuidados desse tipo são importantes para o bem-estar humano. A OMS (Organização Mundial da Saúde) trata a poluição sonora como problema de saúde pública desde 2011. Além de estresse, o excesso de ruídos pode causar problemas psicológicos e até impotência sexual, segundo matéria assinada por Fernando Pimentel Souza, professor da UFMG, especialista em Neurofisiologia e membro do Instituto de Pesquisa do Cérebro. No ambiente profissional, o incômodo causado por ruídos pode diminuir a produtividade do trabalho.